“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espirito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também” - Efésios 2:1-3
Em nossos estudos anteriores vimos que o primeiro
princípio do apóstolo é que não poderemos entender a grandeza do poder da
salvação de Deus enquanto não compreendermos que, por natureza, o homem está
espiritualmente morto. Além disso, temos que captar o fato de que ele é
governado por este mundo e pela mente deste mundo, que é governado pelo
princípio do mal que está operando neste mundo e que, por sua vez, é governado
pelo “príncipe das potestades do ar”, aquele .grande chefe, o diabo, satanás, o
deus deste mundo, que exerce controle sobre todos os poderes e forças que
dirigem e governam os homens e determinam o tipo de vida que o homem leva neste
mundo. Esse é o estado, a condição.
Como é vital que compreendamos isto ! Vital não somente
do ponto de vista do entendimento do evangelho, mas certamente, num sentido
muito prático, absolutamente essencial para o entendimento dos tempos nos quais
vivemos, internacionalmente e também num sentido nacional. Nada é tão fátuo
como a idéia de que a doutrina cristã é afastada da vida. Não existe nada mais
prático, e o mundo está hoje em suas atuais condições de desordem porque os
homens não querem reconhecer a veracidade daquilo que a Bíblia ensina sobre o
homem. Observem a situação industrial, e mesmo a financeira. Qual é o problema?
Bem, o que nos dizem é que a produção não é tão alta como deveria ser. Por que
não é? Essa é a questão. Por que não estamos produzindo mais? E a resposta é,
obviamente, que não estamos produzindo mais porque o homem se encontra num
estado de pecado. Vocês notam que digo “o homem”, não “os homens”. Digo “o
homem” para incluir todos os homens. Não estamos produzindo quanto deveríamos
produzir porque os empregadores e os empregados estão ampliando cada vez mais a
sua idéia quanto à extensão do fim de semana. Isto aplica-se a todos. Se um homem
tem direito de alargar o seu fim de semana, o outro tem igual direito. E todos,
porque se acham em pecado e egoísmo, como vou mostrar-lhes, estão agindo assim.
Daí o nosso maior problema no momento. “Donde vêm as guerras e pelejas entre
vós?”, pergunta Tiago, e responde a sua própria pergunta. Elas vêm “dos vossos
deleites que nos vossos membros guerreiam” (4:1). E a tragédia é que o mundo e
os seus líderes e os seus estadistas, porque não reconhecem o ensino das
Escrituras, acham que podem explicar isso noutros termos. Os diversos grupos se
culpam uns aos outros, e os diversos países se culpam uns aos outros, não
percebendo que todos eles estão juntos no pecado; e enquanto estiverem em
pecado e forem egocêntricos e egoístas, só terão em conta a si mesmos, e o
mundo continuará com seus problemas. Assim vocês vêem que esta doutrina bíblica
do pecado é a coisa mais prática do mundo; e, não obstante, as pessoas a deixam
de lado com desdém, e é pena, porém nisto se incluem até mesmos os cristãos.
Quão distante do ensino bíblico está a comuníssima idéia de que o cristianismo
é simplesmente uma coleção de numerosas máximas de moral, e que deve ir à
igreja aos domingos apenas para receber algum encorajamento, para que lhe digam
qual é o seu dever e que você é bom se o pratica, e nada mais. Isso nem é o
começo do estudo do verdadeiro problema. Antes de podermos ter a mínima
possibilidade de compreender a verdadeira natureza do problema, temos de
entender o que é o homem no estado de pecado. Só então veremos claramente que
nada, senão a renovação espiritual e a ação do Espírito Santo, têm
possibilidade de lidar com a situação e de nos livrar em todos os aspectos. É
por estas razões, pois, que estamos considerando este ensino.
Portanto, havendo examinado o homem em seu verdadeiro
estado e condição, chegamos ao segundo ponto, que é a explicação da sua
condição. Por que o homem se acha nessas condições? O que o levou a isso? Qual
a explicação? O apóstolo responde com uma série de expressões e palavras que
ele usa nestes três versículos. Vamos examiná-las. A primeira expressão
importante é: “filhos da desobediência”. “Em que noutro tempo”, diz ele,
“andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência.” Que expressão
significativa e importante! Que significa? Não significa apenas crianças ou
filhos desobedientes. Esta é uma expressão bíblica deveras característica.
Vocês encontrarão expressões semelhantes em muitos lugares. Vocês recordam como
um dia o nosso Senhor voltou-Se para os judeus e lhes disse: “Vós tendes por
pai o diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” (João 8:44). Também
se lembram de como, no Velho Testamento, muitas vezes vêem que certos ímpios
são tratados como “filhos de Belial”, ou por outra expressão semelhante.
Devemos, pois, considerar a expressão como dizendo que a desobediência é a
origem deste caráter distintivo. Somos filhos da desobediência no sentido de
que é a desobediência que nos leva a sermos exatamente o que somos. Pois bem, é
isso que o apóstolo está ressaltando aqui.
É sempre esse o ponto essencial da explicação bíblica
sobre por que o homem é assim. O problema primário, essencial, é a
desobediência. Foi isso que levou a todos os nossos problemas e desgraças.
Noutras palavras, trata-se da nossa relação com Deus. E vocês notam que a
ênfase é que o pecado não é meramente negativo, não é meramente ausência de
qualidades, não é meramente ausência de alguma coisa; é positivo, é ativo, á
deliberado. É des-obediência, é fuga da obediência, é questionar o direito que
Deus tem de exercer o comando sobre nós, noutras palavras, é rebelião. E é isso
que a Bíblia nos diz sobre o homem, do começo ao fim. O homem não é
simplesmente uma pobre criatura que nunca teve chance e para com quem,
portanto, vocês devem ser muito compassivos e muito tolerantes. Essa é a idéia
moderna, vocês sabem. A doutrina bíblica do pecado saiu realmente do pensamento
dos homens há uns sessenta ou setenta anos, e a psicologia entrou em seu lugar.
É por isso disciplina e a punição desapareceram. A idéia agora é que, na
verdade, todos nós somos, essencialmente, muito bons, e o problema é que nunca
nos foi dada uma chance. O que necessitamos, dizem, é encorajamento. Não
acreditamos na lei e nas sanções morais. Isso é considerado duro e cruel. O
resultado disso tudo é a bancarrota da disciplina em todos os departamentos da
vida- no lar, na escola, nas ruas, na industria, no comercio, em toda parte.
Vocês vêem como esta doutrina é vital! A Bíblia ensina que os nossos problemas
decorrem todos da desobediência inicial; que o homem é um rebelde contra Deus e
deliberadamente se rebela contra Deus. E, naturalmente, isso tudo provém do seu
amor próprio. É a auto-afirmação do homem, o posicionamento do homem contra
Deus, o seu desejo de ser deus.
Isto se desenvolve ao longo de três linhas principais.
Obviamente, a primeira é que o homem nega a sua condição de criatura. Ele se
opõe a isso. O homem não gosta da idéia de que ele é uma criatura feita e criada
por Deus. Ele acha que esta idéia de ser ele uma criatura é um insulto a ele,
algo que o diminui e que diminui a sua grandeza e glória essencial.
Ele não gosta da idéia de que há alguém acima dele,
mesmo Deus. Ele gosta de pensar que o homem é supremo, está acima de todas as
coisas, e pode olhar de cima para todas as coisas. Esse é o coração e o cerne
da objeção do homem a Deus e da sua oposição a Deus. O homem se ofende por
natureza com a idéia de que existe algo ou alguém que ele não pode abarcar com
a sua mente; e quando se lhe diz que ele é tão-somente uma criatura e que a sua
atitude para com o Criador, o Senhor Deus Todo-poderoso, deveria ser a de
humilhar-se e cair sobre o seu rosto diante de Deus, ele se opõe a isso. Acha
que é um insulto, e afirma que não é uma criatura, e que além dele não existe
nada. Daí vocês têm o ateísmo do homem moderno, a sua objeção a Deus e a sua
negação de Deus. Isso tudo surge do fato de que ele se opõe a esta idéia de que
ele é uma criatura, de que ele é alguém que Deus fez, criou e modelou para Si.
Outra maneira pela qual isto se manifesta - e
obviamente decorre da primeira - é que o homem sempre quer afirmar a sua
auto-suficiência pessoal. Ele acredita que ele próprio é suficiente. É evidente
que a Bíblia diz exatamente o oposto - que não somente o homem foi feito por
Deus e para Deus, mas também que ele é dependente de Deus, e que só pode ser
feliz quando está em harmonia com Deus e quando obedece a Deus. Toda a
concepção bíblica do homem é que, assim, ele se acha num estado de completa
dependência de Deus e que o seu bem-estar depende da sua compreensão disso e de
praticá-lo. Todavia, é claro que isso contraria o que o homem sempre achou de
si mesmo. Ele sempre achou que é auto-suficiente, que tem os poderes necessários
e que só precisa pô-los em exercício para fazer um mundo perfeito e uma vida
perfeita para si . Ele se acha competente para comandar os seus interesses da
maneira certa, e que não necessita de ajuda nem de assistência.
Por isso não há nada que ofenda tanto o homem natural
como o evangelho que lhe diz que ele é salvo unicamente pela graça de Deus que
ele, como um mendigo, tem que aceitar como uma dádiva gratuita. Diz ele: não
afundei tanto assim, não sou perfeito, talvez, mas não sou um mendigo, há algo
que eu possa fazer e que sou capaz de fazer. É a doutrina da graça que o homem
odeia mais que tudo. Essa é “a ofensa” ou “o escândalo da cruz”; e isso
continua existindo porque o homem acredita em sua auto-suficiência, em sua
capacidade, em seu poder inerente. Essa é uma expressão da sua desobediência.
Ele não quer aceitar a graça, não quer acreditar nela, rebela-se contra ela e
luta contra ela.
Ou talvez possamos explicar isso da seguinte maneira: é
a afirmação que o homem faz da sua autonomia, da sua independência de Deus. O
homem autônomo é o que se pensa do homem que todos os modos pode gerir todos os
seus interesses e que não precisa de ajuda nem de assistência de parte alguma,
nem mesmo de Deus ! O homem autônomo , o homem auto-suficiente, o homem
auto-determinativo, o homem independente, o homem como deus, o homem como o
senhor do universo, o homem no trono e sobre um pedestal!
Certamente todos hão de reconhecer que isso nada mais é
que uma descrição do homem como ele é fora da fé cristã. Ele é completamente
desobediente, e se orgulha disso com arrogância. Ele promove a sua
personalidade e a sua auto-suficiência. É essencial forçar a questão a esse
ponto. A desobediência, como eu disse, é ativa, ativa até igualar-se à
inimizade. Se não compreendermos isso, é sinal que ainda não entendemos esta
doutrina. Portanto, deixem-me interpretar o que o apóstolo diz aqui com o que
ele diz na Epístola aos Romanos, capítulo oito, versículo sete: “A inclinação
da carne”, diz ele, “é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus,
nem, em verdade, o pode ser”. Que declaração! E que importante adendo! O homem
desobedece por que está em inimizade contra Deus; odeia a Deus. Ah, mas, vocês
dirão, conheço muitos que não são cristãos, porém que dizem que crêem em Deus.
Não, não crêem! Crêem numa ficção, num produto da sua imaginação; eles não
crêem em Deus. Se cressem em Deus, creriam em seu Cristo, como o nosso Senhor
mesmo argumenta em João 8:30-45. Mas não crêem. Crêem simplesmente no que eles
pensam e imaginam que Deus é, no deus que eles próprios fabricaram. Isso não é
Deus! “A inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei
de Deus, nem, em verdade, o pode ser.”
Isso é importante, nesse sentido, que mostra que o
homem, em conseqüência do pecado, em conseqüência de ser ele dominado pelo
diabo e pelo princípio que este introduziu, e pela mente deste mundo, acha-se
em tal estado e condição que ele não pode obedecer a Deus. É isso que o grande
Martinho Lutero chamava “escravidão da vontade”. Contudo, para o homem em
pecado e para o homem moderno, que doutrina odiosa! “A escravidão da vontade!”
A minha vontade é livre, diz o homem. O homem gosta de pensar que é
absolutamente livre para escolher o que quiser, que ele pode escolher servir a Deus,
se o desejar; que pode escolher ser cristão, se assim for o seu desejo. A
afirmação da vontade do homem, do livre-arbítrio, é a ordem do dia. Mas a
Bíblia fala em “filhos da desobediência”; e “Vós tendes por pai o diabo, e
quereis satisfazer os desejos de vosso pai”. Diz o nosso Senhor que você é
incapaz. O homem natural não é sujeito “à lei de Deus, nem, em verdade, o pode
ser” - ele é incapaz disso. Desde a queda de Adão, isso de livre-arbítrio, de
vontade livre quanto a obedecer a Deus, não existe. Adão tinha livre-arbítrio;
nunca mais ninguém o teve. A liberdade de vontade perdeu-se na Queda; nesta o
homem passou a ser escravo do pecado e a estar sob o domínio do diabo. Sua
vontade está presa. “Se ainda o nosso evangelho está encoberto”, diz o apóstolo
aos Coríntios (II Coríntios 4:3 e 4) “para os que se perdem está encoberto. Nos
quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”, para que não
creiam no glorioso evangelho de Cristo. O diabo não os deixa crer. “O valente
guarda, armado, a sua casa, em segurança. ..” (Lucas 11:21 ). Essa é a condição
do homem sob o domínio do diabo; ele não é livre. Não é livre para não pecar.
“Filhos da desobediência”! “Nem, em verdade, o pode ser”! É incapaz disso. Tal
a profundidade em que o homem afundou em pecado. E, contudo, é aí que entra o
paradoxo, por assim dizer. Apesar disso, tudo o que o homem faz, ele o faz
deliberadamente. Ele quer pecar, gosta de pecar, gloria-se em pecar. Não exerce
negativamente a sua vontade para pecar; o que ele não pode fazer é querer o bem
positivo, o bem espiritual. É incapaz disso, e aí está porque ele precisa
“nascer de novo” e ter nova natureza. Mas ele pode querer o mal, e sente prazer
em praticá-lo. O que ele não percebe é que ele se tornou incapaz de querer o bem
e de querer alguma coisa que esteja direcionada para a salvação. Ele não é
livre para isso. Filhos da desobediência, a prole da desobediência, a progênie
da desobediência! Há no universo uma mente má, e nós somos seu fruto. Esse é o
ensino bíblico. Acaso não é extraordinário que alguém que tem entendimento
nestas questões possa discutir isso por um momento que seja? O mundo atual está
simplesmente demonstrando e provando esta verdade. Os homens e as mulheres são
escravos do diabo, estão sob a escravidão do diabo; estão sob o poder e domínio
de satanás. (...)
Basta para a primeira expressão, mas examinemos a
segunda. Esta se acha no fim do versículo três: “e éramos por natureza filhos
da ira, como os outros também”. Destaco as palavras “por natureza”. Esta,
obviamente, é uma expressão sumamente importante. É isso que explica por que
somos filhos da desobediência e por que temos esta atitude particular com
relação a Deus. O apóstolo a usa primariamente aqui, na explicação do seu
ensino de que estamos sob a ira de Deus . Estamos sob a ira de Deus, diz ele,
por natureza . Espero tratar disso mais adiante. Agora quero mostrar que a
expressão significa algo mais que aquilo. Somos o que somos, em todos os
aspectos, “por natureza”. Se vocês preferirem outra tradução, poderiam usar em
seu lugar a expressão “por nascimento”, “e éramos por nascimento filhos da ira,
como os outros também”.
Noutras palavras, o ensino aqui é o mesmo ensino da
Bíblia toda concernente ao homem em pecado, ensino segundo o qual nascemos
neste mundo com uma natureza desobediente. Não nascemos com equilíbrio justo,
com a possibilidade de ir por este ou aquele caminho. Nascemos com forte
inclinação unilateral . Davi o expressa memoravelmente no Salmo cinqüenta e um,
versículo cinco: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu
minha mãe”. Que profunda peça de auto-análise e de psicologia! Se vocês querem
psicologia, vão às Escrituras. Aí está um homem, Davi, examinando-se. Tinham-no
feito lembrar-se do que ele fizera, o adultério e o homicídio que se lhe seguiu
. Ele é despertado e se examina a si mesmo, e parece estar dizendo a si
próprio: como pude fazer isso? Como pode alguém fazer tal coisa? Que é que
torna um homem capaz disso? Que será? E, diz ele: há somente uma resposta, e é tão
profunda como isto: em iniqüidade fui formado – “formado” em iniqüidade - e “em
pecado me concebeu minha mãe”.
Esta doutrina não é popular hoje. O homem em pecado
jamais gostou dela. O que ele gosta de dizer, naturalmente, é que todos nós
nascemos neutros. Vejam aquela criança, quão maravilhosa e perfeita! Bem,
porque é que ela peca quando cresce? Ora, dizem eles, vocês vêem aqui qual é o
problema; é o mundo pecaminoso ao qual ela vem: ela vê coisas más, vê maus
hábitos, e aos poucos vai sendo influenciada por eles. Dizem eles que com a
criança tudo está bem, mas com o ambiente não. Se tão-somente a criança fosse
colocada num mundo perfeito, ela permaneceria perfeita; entretanto, vem a um
mundo imperfeito e vê e pega hábitos, ouve falar e vê as coisas que as pessoas
fazem, e gradativamente assimila essas coisas e as pratica. É tudo questão de
ambiente, mau exemplo, má influência. Não, diz a Bíblia, não é não. Essa
criança foi formada em iniqüidade, e foi concebida e nasceu em pecado. Quando
vimos a este mundo, a nossa natureza já está corrompida. Herdamos uma natureza
pecaminosa dos nossos antepassados e dos nossos pais; começamos com isso. As
tendências e os desejos estão todos ali, e tudo o que o mundo faz é dar-nos um
canal de escoamento. Há dentro de nós uma rebelião, um desejo de ter as coisas
proibidas. Isso aparece logo no início. É uma das primeiras coisas que
manifestamos, todos nós. Por quê? Bem, “por natureza”.
Noutras palavras, o defeito central surge neste ponto
da seguinte maneira: inclinamo-nos a pensar no pecado em termos de atos
específicos da vontade; e daí nos inclinamos a estar cegos para o fato de que
somos pecadores independentemente das nossas ações, de que o pecado está em nós
e é parte integrante da nossa natureza. Devemos livrar-nos da idéia de que tudo
está bem conosco enquanto não chega a tentação e caímos. Isso é verdade quanto
a um pecado, uma ação pecaminosa. Neste caso, eu exerci a minha vontade e fiz o
que não devia! Mas essa explicação não é completa. A real questão é esta: o que
foi que me levou a esta ação? A resposta é que foi “algo” que está dentro de
mim. Vejam as palavras do nosso Senhor, que falou disso uma vez por todas: “O
que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é
o que contamina o homem... Porque do coração procedem os maus pensamentos,
mortes, adultérios, prostituição...” e tudo o mais (Mateus 15:11,19). A
dificuldade está no coração do homem. É esta natureza decaída, pecaminosa. É o
que Paulo chama, no capítulo sete de Romanos “a lei do pecado que está nos meus
membros”; “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”. Ela é
corrupta, é má, por natureza. “Somos por natureza filhos da ira, como os outros
também.”
Isso é de vital importância. Se a outra teoria estiver
certa e o homem nasce mais ou menos neutro, e se os seus problemas forem
causados pelo fato de que as coisas más ou um mau ambiente o levam a
extraviar-se, então, tudo o que você terá que fazer é tratar do ambiente. E
essa tem sido a filosofia dominante nos últimos sessenta a setenta anos. Tem-se
considerado o problema como sendo um problema de educação, de moradia e de
melhoria econômica, quase exclusivamente. Só tínhamos que dar ao homem as
condições certas, e dar-lhe o ambiente certo e o conhecimento adequado, e ele
estaria totalmente bem. No entanto, hoje em dia, seguramente, temos que começar
a compreender que a verdade não é essa, que isso não funciona. Vocês podem dar
ao homem as condições mais ideais, e ele irá mal. Foi no Paraíso que o homem
caiu! E se o homem, em suas perfeitas condições originais, pôde cair em pecado,
quanto mais o homem já decaído! Este é um princípio que por si mesmo se
demonstra em todas as relações humanas, em toda parte. É uma lástima, mas o
problema e a tragédia estão em um nível muito profundo. A Bíblia não está
sozinha neste ensino. Shakespeare o expôs de maneira memorável: “O defeito caro
Brutus, não está em nossas estrelas, mas em nós, que somos desprezíveis.” “Por
natureza”! Começamos com isso, com uma tendência para o mal, tendo a vontade em
escravidão, sob o domínio de satanás, com cobiças e maus desejos, como veremos,
já ali e esperando por uma oportunidade para demonstrar-se e manifestar-se.
Passamos a seguir à palavra muito importante “todos”.
"Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o
príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência. “Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da
nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por
natureza filhos da ira” - e de novo ele o diz – “como os outros também.” Ou, se
vocês preferirem outra tradução – “como o restante da humanidade”. “Todos”, é
universal. Ora, isso é uma coisa impressionante. Este ponto era muito
apropriado para o argumento particular do apóstolo precisamente aqui. Seu tema
é, vocês se lembram, como Deus em Cristo, na plenitude dos tempos, vai reunir
as coisas em Cristo, “tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” .
E diz o apóstolo que Ele já começou a fazê-lo, No capítulo primeiro, versículo
onze, ele afirma que alguns que são judeus creram no evangelho e estão no
reino. Ele prossegue, dizendo que alguns que eram gentios também obtiveram
herança. Aqui ele retoma o ponto – “E vos vivificou”. Ele fez a mesma coisa com
vocês, gentios. Mas seu grande desejo é que ninguém pense que ele está dizendo
estas coisas somente acerca dos gentios. Não, “todos” nós andávamos nos desejos
da nossa carne, “todos” nós éramos filhos da ira, como os outros também. O que
ele diz aqui sobre o homem em pecado é verdade com relação ao judeu, como
também com relação ao gentio.
Como era difícil para o judeu acreditar nisso! Durante
séculos ele tinha acreditado que estava completamente separado: o judeu! Fora
estavam os cães, os gentios, os estrangeiros. Estes estavam fora da “comunidade
de Israel”. O judeu era filho de Deus, estava a salvo porque era judeu. Ele era
totalmente justo e melhor do que todos os outros que eram pecadores, os cães
dos gentios, os quais estavam fora. Como lhe era difícil aceitar uma doutrina
que afirma que ele era tão pecador como o gentio! Essa era a pedra de tropeço
para o judeu; ele não gostava disso. E esta classificação da humanidade ainda
se vê em diferentes formas e moldes. No entanto, aqui o apóstolo diz, “não
somente os gentios”, mas “também os judeus”. E vocês notam que até a si mesmo
ele inclui. Tendo começado com vós , agora diz “nós”. Essa é a verdade a
respeito de Paulo, o apóstolo ! É inimaginável, não é? Mas essa fora a tragédia
da sua vida antes da sua conversão. Como Saulo de Tarso, ele estava satisfeito
com a sua vida; “segundo a justiça que há na lei, irrepreensível” (Filipenses
3:6). E (em Romanos, capítulo 7) ele nos conta como foi que veio a enxergar o
seu erro. Foi quando ele entendeu a lei, que dizia: “Não cobiçarás”. Então
“reviveu o pecado, e eu morri”. Quando se deu conta de que a lei dizia “você
não pode desejar”, “você não pode cobiçar”, ele viu o real significado da lei e
viu que ele era um terrível pecador. Escrevendo a Timóteo, ele diz: “Esta é uma
palavra fiel, e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para
salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (I Timóteo 1 : l 5). Ele se
considera o principal dos pecadores. “Todos nós também antes andávamos nos desejos
da nossa carne...”.
Esta é a verdade com referência a “todos”. Todavia, as
pessoas ainda são muito lerdas para ver isso. Dizem elas: veja esta descrição
do pecado que você faz naqueles três versículos. É claro, diz o homem, que eu
posso ver muito bem que isso se aplica a certas pessoas. Eu ando pelas ruas e
vejo aquele pobre bêbado, e aquela mulher decaída. Vejo pecado em seus trapos e
em seus vícios. Você está totalmente certo no que diz com relação a tais
pessoas e quando fala de uma natureza má e das luxúrias da carne, das luxúrias
da mente, e assim por diante. Concordo plenamente com você. Mas nós não somos
daquele tipo de gente. Porventura não existe gente boa, de boa moral, e
decente, gente íntegra e religiosa? Você está falando isso dessa gente? A
resposta do apóstolo Paulo é “todos”, “como os outros também”; toda a
humanidade, sem uma única exceção. Todos fomos formados em iniqüidade,
concebidos em pecado. “Todos” nós temos esta natureza pecaminosa.
O erro fatal é pensar no pecado sempre em termos de
atos e ações, e não em termos de natureza e de disposição. O erro está em
pensar nele em termos de coisas particulares em vez de pensar nele, como
devíamos, em termos de nossa relação com Deus. Vocês querem saber o que é o
pecado? Eu lhes direi. Pecado é exatamente o oposto da atitude e da vida que se
enquadram em, “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento”. Se você não
está fazendo isso, você é um pecador. Não importa quão respeitável você seja;
se você não está vivendo inteiramente para a glória de Deus, você é um pecador.
E quanto mais você imaginar que é perfeito em si mesmo e independentemente de
sua relação com Deus; maior será o seu pecado. É por isso que qualquer um que
leia o Novo Testamento objetivamente poderá ver claramente que os fariseus dos
tempos do nosso Senhor eram maiores pecadores (se se pode empregar tais termos)
do que os publicanos e os pecadores declarados. Por quê? Porque eles se davam
por satisfeitos consigo mesmos, porque eram auto-suficientes. O cúmulo do
pecado é a pessoa não sentir necessidade da graça de Deus. Não existe pecado
maior do que esse. Infimamente pior do que cometer algum pecado da carne é você
achar que é independente de Deus, ou achar que Cristo jamais precisou morrer na
cruz do Calvário. Não há maior pecado do que esse. A auto-suficiência final, a
auto-satisfação final e a justiça própria, é o pecado dos pecados; é o cúmulo
do pecado, porque é pecado espiritual. Assim, quando você chega a compreender
isso, passa a compreender que o apóstolo não está exagerando quando diz “todos
nós”, “como os outros também”.
Esse é o homem em pecado, e é verdade universal . Há
somente uma explicação adequada disso. É a que nos é dada no começo do livro de
Gênesis. É a doutrina bíblica da Queda e do pecado original . Não se pode
compreender o mundo moderno à parte da doutrina do pecado original. Tudo
aconteceu da seguinte maneira: um homem, Adão, o representante da humanidade,
pecou, rebelou-se e caiu. E as conseqüências passaram a toda a sua progênie. Eu
os desafio a explicarem a universalidade do pecado em quaisquer outros termos.
Simplesmente não se pode fazer isso. Todas as outras teorias caem por terra. É
por isso que temos que crer nos primeiros capítulos de Gênesis, se é que
devemos crer no Novo Testamento. Sem isso não se pode ter uma verdadeira
doutrina da salvação. As duas coisas vão juntas, como Paulo o prova no capitulo
cinco da Epístola aos Romanos e de novo, e exatamente da mesma maneira, no
capítulo quinze da Primeira Epístola aos Coríntios. Esse é o problema do homem;
e é por isso que o homem é como é. Adão caiu, Adão pecou; e o resultado é que
toda a semente de Adão nasce em corrupção, com uma natureza corrupta. É
universal, acontece em toda parte. E' isso que “estabelece o parentesco do
mundo inteiro”; é isso que torna absurdas todas as suas “cortinas”, todas as
suas barreiras de cor e todas as suas filosofias. Nisso o mundo inteiro é um
só. Todos nós estamos em pecado, somos filhos da desobediência, herdeiros de
uma natureza decaída que se expressa e se manifesta da maneira como iremos
considerar – “nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos
pensamentos”, estando pois, sob a ira de Deus e completamente desamparados.
Deixo o assunto nesta altura, porque estou pregando com
a suposição de que me estou dirigindo a cristãos. Mas se eu estivesse pregando
isto a um auditório misto, não pararia aí, não me atreveria a parar aí. Eu
continuaria, dizendo: “Mas, quando estávamos nesta situação, em Sua infinita
graça e amor e misericórdia, Deus nos vivificou”. Nada menos que isso poderia
fazê-lo. Que outra coisa mais poderia tratar do homem em tais condições? Nada
menos que o soberano poder de Deus – o poder que, como Paulo dissera ao final
do capítulo primeiro, fez o Senhor Jesus ressuscitar dentre os mortos e O
elevou e O colocou “à sua direita nos céus, acima de todo o principado, e
poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia”. Nada menos que
o poder de Deus pode resgatar e redimir e salvar o homem. Entretanto, Ele o fez
em Cristo. E nós, que somos cristãos, fomos levantados daquela terrível
condição em que estivéramos outrora, unicamente por causa da Sua maravilhosa
graça.
Nota: Extraído, com permissão, do livro “Reconciliação: Método de Deus” - Exposição sobre Efésios 2 - Editora PES.
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